"ADELI"

Roupa espacial para tratamento de Paralisia Cerebral Infantil

Às vezes as idéias se deslocam pelo espaço. Viajam entre o céu e a terra e, de repente, encontram uma aplicação nos mais inusitados ambientes. Assim, num hospital de Moscou, foi utilizada pela primeira vez uma roupa de astronauta para tratamento de paralisia cerebral infantil (PCI).

Todos conhecem a realidade da vida no espaço - a falta de peso. O sonho de Catarina, a Grande realizou-se: hoje o homem pode voar como um pássaro e os cosmonautas pairam pela estação orbital sem o mínimo esforço. Isto seria maravilhoso não fosse a falta de esforço muscular que, como qualquer outra falta de esforço, tem péssimas conseqüências. Rapidamente aparece a atrofia muscular e a osteoporose das pernas (desgaste dos ossos) - que são situações desagradáveis e cosmicamente tão inevitáveis como a queda da maçã na cabeça de um famoso cientista terráqueo. Imaginem a cena: uma nave espacial da Terra aterriza em Marte, a porta se abre silenciosamente, o conquistador do Universo sai e cai estatelado sobre a areia vermelha marciana completamente indefeso. Suas pernas não conseguem sustentá-lo, seus joelhos dobram-se por causa da repentina gravidade. Para evitar tal vergonha interplanetária, os cientistas terráqueos começaram a quebrar a cabeça. E o fizeram por muito tempo (logo após os primeiros vôos de longa duração, quando os astronautas de volta à Terra não conseguiram sair das naves sem ajuda de terceiros).

Inicialmente tentaram combater a inevitável perda de capacidade física com exercícios: corridas, saltos e ginástica. Entretanto, logo se verificou que não dá para ficar correndo na esteira durante todo o transcorrer do vôo. Então, inventaram o "Pingüim", uma roupa de carga física, que acabou com a "vida fácil" dos astronautas.

A roupa Pingüim tem a aparência de um macacão azul, mas sob a sua superfície comum esconde-se um complexo sistema entrelaçado de tracionadores de borracha. Estes tracionadores passam pelos ombros, cintura, torso e todas as partes arredondadas do corpo podendo ser facilmente reguladas para qualquer tipo de tensão. Em princípio, a roupa pode criar uma carga de 40 kg, ou seja, aproximadamente, 50% do peso de um homem. Mas esta é uma carga por demais terrena para uma falta de gravidade comum. Por isso, o "Pingüim" é regulado para 20 - 25 kg de carga. Assim, obtêm-se uma sensação de gravidade terrestre. Além disso, a roupa de carga física possui uma propriedade especial - ela conserva qualquer posição assumida pelo astronauta liberando-o do esforço físico.

Assim, inicialmente, os construtores dos "Pingüins" obrigaram-nos a voar, e mais tarde -- a ensinar doentes a andar. Os médicos notaram que a roupa espacial conserva a capacidade de movimento e acharam que pode também recuperá-la. A primeira a perceber isso foi a dra. Ksênia Semionova, famosa especialista em PCI, que já desenvolveu muitos métodos de tratamento e estimulação de órgãos motores.

A roupa espacial assumiu a liderança na luta contra a PCI.

A paralisia cerebral infantil - traumatismo cerebral intra-uterino, resulta de traumas craniano-cerebrais durante o parto e de diversas doenças na idade infantil. A criança não consegue aprender a andar, manter a cabeça ereta, desenvolver-se integralmente e executar as necessidades básicas. Atualmente, na Rússia, existem, em média, 7 pessoas em 1000 para este tipo de doença. O PCI é incurável.

A roupa espacial foi levada à clínica N° 18 de Moscou e vestiram-na num rapaz de 16 anos que até aquele dia jamais andou. Tudo aconteceu como nos filmes de guerra americanos com um inesperado "happy-end" - o rapaz ficou parado estático por um certo tempo e, de repente, deu um passo, o primeiro passo de sua vida. Depois de seis sessões ele já "corria" uns 10 metros por dia. Isto o deixou tão satisfeito que ele não queria mais tirar a roupa salvadora.

A partir daí os cientistas adaptaram o "Pingüim" para as condições terrestres e batizaram o novo modelo com o nome de "Adeli".

Se a criança com paralisia cerebral infantil não for colocada de pé até a idade de três anos, os músculos das pernas simplesmente não se desenvolverão, porque as partes do cérebro responsáveis pelo movimento estão lesadas. Entretanto, o cérebro humano em geral é muito esperto. Houve um certo Vassili Pupkin, simples operário industrial, que formou-se, casou, criou filhos, ... e, um dia, - morreu. Quando fizeram a autópsia, abriram o seu crânio que nada tinha de anormal e - epa! - não encontraram o cerebelo! Levantaram imediatamente as inevitáveis perguntas sobre a vida da vítima: - Mas, como é isso? Como viveu tanto tempo sem problemas? É que as ramificações restantes do cérebro haviam assumido as funções do cerebelo.

Infelizmente, na PCI o caso é diferente: o cérebro "não sabe" para que deve "carregar algo sobre alguma coisa". E a perspectiva é a invalidez total. A solução surgiu com a roupa medicinal "Adeli" utilizando a tecnologia espacial supracitada. O paciente veste a roupa de borracha e o seu corpo adquire imediatamente a postura necessária (que é o fator mais complicado da doença). Quanto mais tempo permanecer na postura correta - melhor. Restabelecem-se a ligações normais no organismo. Isto é algo oposto ao reflexo: o cérebro-controlador "registra" estes "movimentos-poses" para depois reproduzi-los sem a ajuda da roupa. O resultado é impressionante: de seis pacientes em cadeiras de rodas, quatro saem andando.

O outro sintoma da PCI é a fala incompreensível. A pressão da roupa de borracha sobre o ombro do paciente, na parte do pescoço junto à coluna vertebral, cumpre a sua função. O resultado inúmeras vezes observado é que mudos começam a falar de forma inteligível e clara.

Tudo parece muito simples: chegar, vestir e sair. Mas não é bem assim. A ferramenta de tratamento "Adeli" não pode ser entregue aos cuidados de pessoas não especializadas. O cálculo exato das cargas necessárias para cada parte do corpo traumatizado só pode ser feito por médicos munidos de computador.

Quanto mais tempo passa, mais difícil fica obrigar os músculos-sibaritas a trabalhar e desenvolver-se. Por isso os cientistas espaciais recentemente começaram a produzir roupas "Adeli" de tamanhos reduzidos para crianças pequenas. Demoraram um pouco porque os laboratórios precisaram desenvolver um material com um coeficiente de elasticidade especial. E não existem análogos. As crianças mais crescidas já usam a roupa espacial desde 1992 e sempre com sucesso.

Atualmente, já existe até na Polônia um centro de tratamento (onde são preparados especialistas de todo o mundo), e amanhã, a dra, Ksenia Semionova viaja para abrir um centro semelhante em Israel. Mas não saia correndo para tirar seu passaporte. Você pode receber o tratamento aqui perto - em Moscou. Ao lado da estação de metrô "Sportivnaia", na Associação dos Inválidos existe uma clínica, onde são aplicados estes métodos de tratamento com tecnologia espacial.

Se para você Moscou ainda é longe, não se preocupe: as roupas "Adeli" já foram enviadas para Ekaterinburg, Belgorod e Voronej (N. do trad.: cidades da Rússia), onde no período de um ano as roupas espaciais fizeram andar 3600 crianças. O país tem 70 mil doentes sofrendo deste mal. E convenhamos, 2 milhões de rublos não é tão caro pela possibilidade de abandonar para sempre a cadeira de rodas.

Os funcionários do Instituto de Problemas Médico-Biológicos da Empresa Científico-Industrial "Zvezda" e do Instituto de Pesquisas Científicas Pediátricas são os proprietários da patente de invenção da roupa espacial "Adeli", registrada sob o N° 5 025 647.

 

Extraído da revista "OGONIOK" N° 06 - 10 de fevereiro de 1997

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